quinta-feira, 1 de julho de 2010

A Composição no Português Falado

Esta é uma versão didática do artigo A Composição no Português Falado, de Antonio José Sandmann, retirada do livro Gramática do Português Falado. Vol. III.


Neste trabalho abordaremos a composição e sua delimitação diante ao grupo sintático paralelo, permanente ou eventual. Para isso, é preciso justificar o tratamento dado a determinadas formações e distingui-las. Também serão apresentadas as formações já incorporadas em nosso vocabulário, além de novas formações e suas condições de produtividade.

Primeiramente apresentarei algumas considerações sobre o que distingue o composto de grupo sintático. Como por exemplo, dona de casa, nome de guerra, peso pesado, fazem parte do composto gerando muita incerteza quanto sua natureza, já efeito-dominó, desconto-padrão, bolsa-trabalho, fazem parte do grupo sintático paralelo, permanente ou eventual.

Cabe nesse momento delimitar ambos e também esclarecer alguns conceitos.

a. Grupo sintático eventual ou não-permanente: nas frases “Recolhi a roupa do varal e esqueci um pé de meia” e “O inimigo lança foguetes continuamente”, neste caso pé de meia e lança foguetes são sintagmas¹ ou grupos sintáticos eventuais.

b. Grupo sintático permanente: são rótulos fixos (sequências linguísticas de valor) para os fatos sociais e psíquicos do universo que nos cerca. Distingue-se do composto por ser transparente: cheque de viagem, meio ambiente. Dessa forma dizemos que o valor sintático se cristalizou num novo valor morfológico, ou seja, transformou-se em um rótulo permanente, repetido, comum no universo.

c. Composto: são palavras compostas por razões semânticas e sintáticas. Por exemplo, nas frases “Eu já fiz meu pé-de-meia” e “A NASA está desenvolvendo um novo lança-foguetes” as sequências pé-de-meia refere-se a “economia” e lança-foguetes a “máquina”.

Para distinguir a palavra composta do grupo sintático paralelo usamos a forma de isolamento ou distanciamento que se dá por meio de quatro critérios: semântico, sintático, fonológico e morfológico.

I. Critério semântico (quanto ao seu significado): temos, por exemplo, o composto copo-de-leite, que devido à cor e ao formato da flor levaram à comparação com um copo de leite (copo cheio de leite), um processo metafórico, distinguindo assim do grupo sintático devido à semântica contida na sequência. Também podemos encontrar alguns distanciamentos como: puxa-saquismo, guarda-chuvada etc.

II. Critério sintático (quanto à ordenação): podemos notar que um composto do tipo substantivo+adjetivo se distingue do grupo sintático eventual pelo critério sintático contido, por exemplo, no grupo sintático temos, junto ao adjetivo, a formação casa grande e velha, enquanto no composto podemos ter casa-grande velha. Por outro lado o grupo sintático permanente não se distingue do composto substantivo+adjetivo por critério sintático, apenas nos compostos substantivo+substantivo (trem-bala, peixe-espada).

III. Critério Fonológico (quanto aos sons): Palavras como planalto e aguardente, vemos a tonicidade do primeiro elemento, perda de vogais, de partes do corpo fônico da palavra: plano+alto = planalto, água+ardente = aguardente. Nos compostos do tipo substantivo+substantivo temos, por exemplo, tomaticultura (cultura do/de tomate) e pacotologia (ciência dos pacotes), essas palavras são semanticamente transparentes,

pois a língua assimilou e tornou produtiva. O que é essencial pelo critério fonológico, é a tendência do primeiro elemento perder sua tonicidade, seu “status” de vocábulo fonológico, sendo que a mudança da vogal final i (tomati) ou o (pacoto) é um aspecto morfonológico.

IV. Critério Morfológico (quanto às formas): em compostos de substantivo+substantivo, do tipo determinante-determinado, só o segundo elemento recebe flexão, como: cinejoranal – cinejornais, motosserra – motosserras. Em compostos do tipo determinado-determinante a prática de plural é variada, por exemplo, do Aurélio: cheques-ouro e cheques-ouros, garotos-propaganda e garotos-propagandas. Dessa forma concluímos que nos compostos, substantivo+substantivo do tipo determinante-determinado, o critério morfológico pouco nos socorre para caracterizar o composto.

Após estudar um pouco sobre cada critério, discutiremos a ocorrência de formações novas, com base em resultados coletados em textos, encontramos poucos compostos novos, devido a algumas hipóteses como a ocorrência de formações não registradas pelo Aurélio, como mulher-mãe e mulher-esposa; salário-aula enquanto no dicionário encontra-se salário-hora, entre outras formações. È oportuno observar que palavras compostas são bem freqüentes na linguagem menos formal e até popular, no qual encontramos com o tema “alimentação” palavras como, bana-figo, feijão-manteiga, bom-bocado, baião-de-dois entre outras. Aqui é usada com freqüência uma base metafórica para as formações.

Também encontramos em nosso vocabulário formas já feita, naturalmente incorporada e memorizada pelos seus usuários. Sua origem e estrutura podem ser próprias do país em que seus usuários vivem (vernáculas), podem ser clássicas ou neoclássicas (uma “imitação” de sentenças antigas), quanto sua ocorrência pode ser tanto em textos dialogados quanto em enunciações formais. Por exemplo: em formações vernáculas temos, dia-a-dia, mão-de-obra, fim-de-semana, dona-de-casa; em formações clássicas ou neoclássicas temos monólogo, tecnologia, latifúndio, pinacoteca entre outras formações.

As condições de produtividade da língua portuguesa no campo da criação de vocabulários, especificamente na formação de compostos, apontam para tipos estrutural e composicionalmente muito diversos. Temos (i) compostos copulativos, formados de dois substantivos (cantor-compositor) ou dois adjetivos (político-partidário), (ii) compostos determinativos, que são mais variados, verbo+substantivo (mata-junta), substantivo+substantivo (trem-bala), substantivo+adjetivo (amor-perfeito), adjetivo+substantivo (velha-guarda), substantivo+de+substantivo (jogo-de-cintura), substantivo+numeral (camisa-dez), numeral+substantivo (onze-letras); e finalmente (iii) compostos reduplicativos (corre-corre, oba-oba), (iv) compostos onomatopaicos (bem-te-vi, quero-quero) e (v) compostos exóticos: não-te-esqueças-de-mim, Maria-vai-com-as-outras, nó-nas-tripas. As condições de produtividade nos dizem qual a relação sintática entre os elementos que formam o composto e que classe gramatical pertence os elementos formadores sem esquecer os aspectos semânticos.

As condições de produção nos falam de aspectos discursivos em que mostra as condições concretas do ato de comunicação de determinada regra de produção de palavras quando pode ser acionada ou inibida em sua atuação.

Para concluir destacamos a ocorrência de compostos determinativos do tipo substantivo+substantivo, por exemplo, mulher-mãe, e o composto adjetivo copulativo técnico-jurídico, no qual o primeiro caso atesta a produtividade de composto formado de substantivo+substantivo, enquanto o segundo fato tem seu fundamento na natureza técnica do tema tratado.

Quanto à inconstância na grafia de compostos, afirmamos a grande incerteza que há em relação à natureza da palavra composta, ou seja, reina muita dúvida sobre se está ou não diante de uma palavra composta em muitos casos concretos.


¹Sintagma: Conjunto de palavras subordinadas a um núcleo e que forma um constituinte da frase (ex.: sintagma nominal, sintagma verbal).


Referências Bibliográficas


SANDMANN, Antonio José. A Composição do Português Falado. In: CASTILHO, Ataliba Teixeira de (org.). Gramática do português Falado. Vol. III, 2ª Ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996. p. 398-404


Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: < http://www.priberam.pt/DLPO/>. Acesso em: 07 jun. 2010.